Logicamente,
queremos ter muito cuidado, pois nenhum crente deseja atribuir o
poder do Espírito Santo em Jesus Cristo a demônios (Mc 3.22-30).
Como reconhecer o trabalho do Espírito Santo de Deus? Três
critérios nos auxiliarão:
(1) O fim principal
do trabalho do Espírito é a glória de Deus. Cristo, cheio e
liderado pelo próprio Espírito, assim especificou – Jo 4.34;
5.19; 5.30; 5.43; 6.38; 17.4. No que diz respeito aos demônios,
estes procuram a auto-adoração e própria glorificação (Jo 4.24).
(2) A suprema
autoridade do Espírito é a Palavra de Deus: Dt 29.29. Demonstrar
mais estima e procura por “revelações ocultas” do que pela
revelação bíblica, é um insulto ao Deus todo-poderoso, que nos
criou em amor para que o adorássemos e o servíssemos.
(3) A mensagem
principal do Espírito é o Evangelho de Deus (At 1.2 e 8).
O movimento
pentecostal trouxe à cena evangélica o inusitado e o extraordinário
como sendo não apenas parte da realidade existencial, histórica e
religiosa da Igreja, mas como objeto de anelo e desejo na vida
individual de cada crente. Os ensinamentos do pentecostalismo
deixaram a expectativa de que sem estas experiências algo estaria a
faltar na vida do cristão. Era necessário se atingir um patamar
superior, obter-se uma segunda bênção, elevar-se acima do nível
do crente comum. Gerou-se assim uma hierarquia de crentes: os
batizados vs. os não-batizados pelo Espírito Santo, ou, utilizando
uma outra terminologia: os recebedores vs. os “ainda carentes de
uma segunda-bênção”.
A questão da cura
divina, trazida pelo pentecostalismo, segue ao longo de linhas
paralelas. Ela coloca os crentes em uma escala hierárquica,
qualificando o seu cristianismo, fazendo uma divisão entre os que
atingiram já um patamar de fé que é suficiente a torná-los
recebedores de curas milagrosas vs. aqueles cuja fé é insuficiente
ao recebimento destas bênçãos, que estariam reservadas aos mais
aquinhoados espiritualmente.
O pentecostalismo
prega essa hierarquia dos salvos estranha à Palavra de Deus, tanto
na questão do batismo pelo Espírito Santo, como na cura divina,
como no “falar em línguas” – áreas às quais os fiéis são
direcionados a procurarem como marca de uma espiritualidade genuína.
Aqueles que não experimentaram tais experiências são levados a
avaliar suas vidas como “fria” ou distanciada do “fogo”
saudável do Espírito de Deus.
O movimento
carismático e de renovação foi propagado como sendo uma reação
sadia à ortodoxia morta das igrejas tradicionais. Inegavelmente,
muito fervor real foi despertado no meio de denominações que
estavam consideravelmente afastadas da Palavra de Deus e de suas
confissões e credos originais. Muitas haviam abraçado ideias
heréticas e humanistas do racionalismo teológico. Mesmo
considerando a existência de uma guinada positiva em denominações
liberais, pela promoção do estudo das esquecidas Escrituras, a
procura pelas experiências, estendida a denominações fiéis à
Palavra de Deus, teve efeito devastador. Divisões, polarizações,
discussões infrutíferas, desprezo aos padrões confessionais, têm
sido resultados comumente observados em igrejas atingidas pelo
abraçar de doutrinas pentecostais.
A divisão das
pessoas, encontrada na Palavra de Deus, com relação ao
posicionamento perante o Criador, nos mostra que todos estão
subdivididos em salvos ou perdidos; crentes ou incrédulos; os que
receberam a fé como dom de Deus ou aqueles sem fé que se encontram
no caminho da perdição. Os movimentos, dentro da Igreja, que
acrescentam uma terceira categoria de pessoas, no que diz respeito ao
status espiritual delas perante Deus: os sobrenaturalmente agraciados
com um fenômeno fora do comum, que difere e está além do ato
soberano de Deus da salvação, não encontra base bíblica e
representa uma carga injusta lançada sobre os fiéis.
O apóstolo Paulo
nos ensina, em 1 Co 12.13, que “em um só espírito todos nós
fomos batizados”. Note que ele se refere: (1) genericamente, a
todos os crentes – sem distinguir uma casta específica (todos
nós); (2) no passado – todos nós, que cremos, fomos batizados;
(3) esse batismo do espírito Santo caracteriza todos que formam “o
corpo” – ou seja, a igreja de Cristo – ele não vem como uma
“segunda bênção”. Isso está em harmonia com Ef 4.5 – que
nos ensina que há “um só batismo” e Rm 8.9 – que diz: “se
alguém não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dele”.
Todos os eleitos de Deus, como salvos, são chamados das trevas para
a maravilhosa luz – essa é a divisão encontrada na Palavra de
Deus. Não existe uma hierarquia dos salvos e, muito menos, salvos
não batizados pelo Espírito Santo de Deus.
Existe um grande
interesse na igreja contemporânea nas manifestações sobrenaturais.
Na maioria das vezes esse interesse pelos fenômenos sobrenaturais
não procede do sério estudo da palavra de Deus, mas de sentimentos
carnais presentes na fraca visão do homem natural. Quando Jesus foi
pressionado para que realizasse algum sinal sobrenatural fora do
contexto e do propósito soberano de sua missão, apenas para atender
o desejo pelo extraordinário, presente na multidão (Mt 12.39), Ele
dá o seguinte direcionamento aos solicitantes:
a. primeiro, indica
que devem examinar as suas vidas (chama os interlocutores de “geração
má e adúltera”)
b. depois, manda que
eles se dirijam às Escrituras, à história previamente revelada e
escriturada, (devem considerar “o sinal do profeta Jonas”) para
obtenção do conhecimento teológico e prático que diziam procurar.
O segmento
pentecostal e neopentecostal, ao enfatizar um interesse primário
pelas manifestações sobrenaturais, tira o foco da doutrina da
providência divina no governo soberano de todas as atividades. Vemos
a tendência, na realidade, de abraçar o misticismo característico
das massas. A Igreja recebe, então, uma visão destorcida das
prioridades de vida, que coloca as questões físicas do homem como
alvo de maior preocupação, do que os problemas metafísicos
existentes entre o homem pecador e o Deus Santo que o criou. além do
físico, do visível, do palpável, do perceptível. Estamos
utilizando o termo metafísico como descritivo do campo das questões
eminentemente espirituais (como a salvação, o andar em justiça e
santidade), em contrapartida às questões físicas (doenças,
enfermidades) que, mesmo sendo importantes, estão hierarquicamente
abaixo das anteriores (Mt 10.28).
Onde impera o ávido
desejo pelo inusitado e pelo extraordinário, as Escrituras vão
ficando para trás. Na Confissão de Fé de Westminster (Cap. 1)
temos uma das formulações mais completas, detalhadas e fiel, sobre
as doutrinas das Sagradas Escrituras. Ainda assim, encontramos
pastores, oficiais e membros de igrejas que abraçam esta Confissão,
ansiosos pela manifestação de fenômenos sobrenaturais, desejosos
de diretrizes fornecidas por novas revelações, como se algo
estivesse faltando à própria Palavra de Deus para a expressão
plena de suas religiosidades.
Não devemos desejar
um cristianismo racional no qual o sobrenatural é ignorado, nem
gerar um ceticismo às atividades das hostes das trevas. Mas devemos
procurar manter o sobrenatural dentro da perspectiva que a própria
Palavra nos ensina. A maior ação sobrenatural de Deus é o milagre
da salvação: seu Espírito regenerador, criando uma nova vida
dentro de nós. O governo soberano de Deus, pelo qual ele cumpre os
seus propósitos na história, é o grande alicerce de magnifica
espiritualidade e sobrenaturalidade da nossa religião – por que
desprezar esse conhecimento e essa convicção (Is 8.16-20)? Por que
a busca pelo inusitado, pelas intervenções solicitadas ao nosso
serviço e por nossas necessidades?
Na parábola do
mendigo Lázaro, (Lc 16.19-31) o rico, após tomar pleno conhecimento
das realidades espirituais, entre elas a do fogo eterno, da
condenação e das tormentas, pede uma maravilha ao reino dos céus,
representado na pessoa de Abraão. Ele quer um fenômeno
extraordinário – gostaria que o mendigo Lázaro, agora com Abraão,
fosse ressuscitado e pessoalmente voltasse à terra dando testemunho
daquelas realidades espirituais aos seus cinco irmãos.
Na sua perspectiva,
um depoimento advindo de uma manifestação tão espetacular
certamente faria com que seus parentes acreditassem na mensagem da
verdade. Abraão responde que eles têm as Escrituras (Moisés e os
profetas) e se, com os corações endurecidos, não respondem ao
claro e objetivo ensinamento delas, não será o grande fenômeno da
ressurreição que gerará a credibilidade necessária à salvação.
Essas palavras eram
também proféticas. Deus operou um fenômeno impossível às suas
criaturas, ressuscitando Jesus Cristo ao terceiro dia, mas as pessoas
submersas em seus pecados continuam a rejeitar a mensagem das
Escrituras, mesmo após a ressurreição.
Porque a nossa
geração deve retratar a própria atitude, condenada pela parábola
– que os fenômenos extra-naturais é que conduzirão as pessoas à
Cristo – quando ele próprio nos aponta para as Escrituras (Jo
5.39)? Por que desprezarmos o grande fenômeno, bíblico e
historicamente comprovado, da ressurreição de Cristo, procurando
manifestações duvidosas contemporâneas?
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