sábado, 26 de março de 2011

O MITO DA SUBMISSÃO MUTUA



De Wayne Grudem. Traduzido por Kamylla Araújo.



Como os que buscam a igualdade entre homens e mulheres revogam a força de Efésios 5:22, “Esposas, sejam submissas aos seus maridos, assim como ao Senhor”? Simples: Eles olham apenas para o verso 21, que diz, “Estejam sujeitos um ao outro no temor de Cristo.” Então eles dizem, “É claro que as esposas devem ser submissas aos seus maridos, mas os maridos também devem submeter-se às esposas.”



O resultado disso é o que eles chamam de “submissão mútua”, “e em seu ponto de vista isto quer dizer que não há liderança ou autoridade única do marido no casamento. Eles redefinem “submissão” como "consideração, cuidado, uma atitude de amor um para com o outro, colocando o interesse da outra pessoa acima do seu próprio.”



Certamente ninguém faz objeção às idéias de consideração mútua, ou cuidado, ou amor! Elas são claramente ensinadas no Novo Testamento. Mas estas idéias são, de fato, o que o verso, Efésios 5:21, quer dizer?



Eu acredito que não. Na verdade, eu creio que a idéia de “submissão mútua” como uma interpretação de “estejam sujeitos um ao outro” em Efésios 5:21 é uma idéia terrivelmente errada. Ela só pode ser defendida se deixarmos de apreciar o significado preciso das palavras gregas para “estar sujeito” e “um ao outro”. Uma vez que esses termos sejam compreendidos corretamente, eu creio que a ideia de “mútua submissão” no casamento será vista como um mito sem qualquer tipo de fundamentação nas Escrituras.




1. O significado de “Ser submisso”



A primeira razão pela qual penso que “uns aos outros” é a melhor interpretação de Efésios 5:21 é o significado para a palavra grega hypotasso (estar sujeito a, submeter-se a). Embora alguns afirmem que a palavra pode significar “ser cuidadoso e considerar o outro; um ato de amor” (para com o outro), não há nenhuma evidência séria que mostre que no século primeiro os gregos entendiam dessa forma, pois o termo sempre implica em um relacionamento de submissão a uma autoridade.



Veja como esta palavra é utilizada em outros lugares no Novo Testamento:



* Jesus está sujeito à autoridade de seus pais (Lucas 2:51)

* Os demônios estão sujeitos aos discípulos (Lucas 10:17: é claro que o significado “ato de amor, consideração” não se encaixa aqui!)

* Os cidadãos devem estar sujeitos à autoridade dos governantes (Rm 13:1,5; Tt 3:1, IPe2:13)

* O universo está sujeito a Cristo (ICo. 15:27; Ef. 1:22)

* Poderes espirituais invisíveis estão sujeitos a Cristo (IPe. 3:22)

* Cristo está sujeito a Deus o Pai (ICo. 15:28)

* Os membros da igreja devem estar submissos aos líderes (ICo. 16:15-16; 1Pe 5:5)

* As esposas devem ser submissas aos seus maridos (Cl. 3:18, Tt. 2:5, IPe. 3:5; compare com Efésios 5:22,24)

* A igreja está sujeita a Cristo (Efésios 5:24)

* Servos devem estar submissos aos seus mestres (Tt. 2:9, IPe. 2:18)

* Os cristãos estão submissos a Deus (Hb. 12:9, Tg. 4:7).



A questão é a seguinte: Nenhum desses relacionamentos jamais foi revertido. Nunca foi dito aos maridos serem submissos (hypotasso) às suas esposas, nem o governo aos cidadãos, os mestres aos servos, ou os discípulos aos demônios. É claro que nunca foi dito aos pais que sejam submissos aos filhos! Na verdade, o termo hypotasso é utilizado fora do Novo Testamento para descrever a submissão e obediência dos soldados no exército ao escalão superior (veja, por exemplo, Josefo, Guerra de 2.566, 578, 5.309; compare o advérbio de Clemente 37:2) O léxico Liddell – Scott – Jones define hypotasso [passivo] significando “ser obediente” (pg. 1897).



É claro, a forma exata que a submissão toma, como ela funciona na prática, sofrerá uma variação enorme em relação a como ela é aplicada aos soldados, às crianças, aos servos, à igreja e às esposas. Em um casamento cristão saudável, haverá fortes elementos de mútua consulta e busca de sabedoria, e a maioria das decisões virá de um consenso entre marido e esposa.



Ser submissa envolve muitas vezes, não só obedecer a comandos ou a ordens diretas (embora às vezes inclua isto), pois um marido prefere fazer uma solicitação à esposa e buscar auxílio, discutindo com ela sobre o curso de uma ação a ser tomada (compare com Filemom 8-9). Este é, provavelmente, o motivo pelo qual Paulo usou o sentido mais amplo de “estar submisso a” quando fala às esposas, em lugar da palavra específica “obedecer” (hypakouo), que é utilizada para crianças (6:1) e para servos (6:5).



Não obstante, a atitude de submissão da esposa à autoridade de seu marido será refletida nas inúmeras palavras e ações a cada dia que refletem deferência à sua liderança e reconhecimento à sua responsabilidade pós- discussão, sempre que possível, para tomar decisões que afetam toda a família.



A despeito de todas essas diferentes formas de submissão, uma coisa permanece constante em cada uso da palavra: nunca é “mútuo” no que diz respeito ao poder; é sempre unidirecional referindo-se à submissão a uma autoridade.



Então a minha pergunta é: Porque deveríamos dar a hypotasso um significado em Efésios 5:21 que em nenhuma outra parte é mostrado como tal? Mas se hypotasso sempre significa “estar submisso a uma autoridade”, então, certamente há um mal-entendido de Efésios 5:21 em dizer que implica em “mútua submissão.”



2. O restante do Contexto



O mito da “submissão mútua” também falha na adequação ao contexto. Em Efésios 5:22-24, às mulheres não é dito que sejam submissas a todos, ou a todos os maridos, ou a outras esposas, ou a seus vizinhos e filhos. O idioma grego especifica claramente a restrição, “Esposas, sejam submissas a seus maridos (idiois andrasin).” Portanto, o que Paulo tinha em mente não era uma vaga ideia de “mútua submissão” onde todos são “considerados e respeitados” uns pelos outros, mas um tipo específico de submissão a uma autoridade: a mulher é submissa à autoridade do “seu próprio marido”.



Similarmente, não é dito a pais e filhos que sejam submissos mutuamente uns aos outros, mas os filhos devem estar sujeitos (“obedecer”) seus pais (Efésios 6:1-3), os servos devem estar sujeitos aos seus mestres (Efésios 6:5-8). Em cada caso, a pessoa que exerce a autoridade não deve estar submissa àquele sobre quem a autoridade é exercida, mas Paulo sabiamente dá orientações para regular o uso da autoridade pelos maridos (que devem amar as suas esposas Efésios 5:25-33), pelos pais (que não devem provocar em seus filhos a ira, Efésios 6:4), pelos mestres (que devem deixar de ameaçar seus servos lembrando que eles, de igual modo servem a Cristo, Efésios 6:9). Em nenhum dos casos há “mútua submissão”; em cada caso existe submissão à autoridade e uso regulado desta autoridade.



Esta clara evidência no contexto é o motivo pelo qual as pessoas não enxergaram a “submissão mútua” em Efésios 5:21 até que as pressões feministas em nossa cultura levaram as pessoas a procurar uma maneira de evitar a força de Efésios 5:22, “Esposas, sejam submissas aos seus maridos, assim como ao Senhor.” Por séculos ninguém pensou em “mútua submissão” em Efésios 5:21, pois reconhecia-se que o verso ensina que devemos todos estar sujeitos aos homens que Deus colocou em autoridade sobre nós, como maridos, pais ou empregados. Desta maneira, Efésios 5:21 era perfeitamente entendido como estar sujeito um ao outro (isto é, uns para os outros) no temor de Cristo



3. A ausência de qualquer comando dos maridos para as mulheres



Há mais um fato que aqueles que buscam a igualdade entre homens e mulheres não conseguem explicar bem quando da proposição da “mútua submissão” como compreensão deste verso. Eles não conseguem explicar o fato que, enquanto várias vezes às mulheres é dito que sejam submissas aos seus maridos (Efésios 5:22-24; Colossenses 3:18; Tito 2:5, IPedro 3:1-6)a situação nunca é revertida; nunca é falado aos maridos que sejam submissos às suas esposas. Porque isso então, se Paulo queria nos ensinar sobre a “submissão mútua”?



A ordem de que um homem deveria ser submisso à sua mulher teria sido surpreendente em uma antiga sociedade machista. Portanto, se os escritores do Novo Testamento pensavam que no casamento cristão, os maridos deveriam estar submissos às suas esposas, eles teriam que dizê-lo muito claramente, caso contrário, os cristãos mais jovens nunca teriam sabido que era isso que deveriam fazer! Mas em nenhum lugar encontramos tal ordem. É surpreendente que feministas evangélicas possam afirmar que o Novo Testamento ensina isto quando, em nenhum momento isto é ensinado.



4. O significado de “Um ao outro”



Então qual a razão que as pessoas podem dar argumentando em favor da “mútua submissão” na interpretação de Efésios 5:21? Seu argumento é baseado na expressão “um ao outro” (o pronome grego allelous). Vários intérpretes afirmam que o pronome quer dizer “todos a todos” (isto é, que deve ser exaustivamente recíproco, o que significa que se refere a algo que cada pessoa faz uma a outra). Para apoiar este ponto de vista citam-se numerosos versos onde allelous tem esse sentido: “devemos todos amar uns aos outros” (João 13:34) e “sejam servos uns dos outros” (Gálatas (5:13).



Mas aqui está um erro crucial: intérpretes admitem que por allelous significar “todos a todos” em alguns versos, deve significar em todos os versos. Quando eles admitem isso, eles simplesmente não fizeram seu dever de casa - eles não checaram as possibilidades que a palavra pode ser utilizada em distintos contextos, quando não significa “todos a todos”, mas “uns aos outros.”



Por exemplo, em Apocalipse 6:4, “e que os homens se matassem uns aos outros” significa que alguns matariam outros (e não “que todas as pessoas matariam umas às outras”, ou “então que toda a pessoa que foi morta mataria mutuamente aquela que a matou”, o que não teria o menor sentido!). Em Gálatas 6:2, Levai as cargas uns dos outros, não significa que cada um deve trocar a sua carga com o outro, mas “aqueles que são mais capacitados devem ajudar a carregar o fardo daqueles que são menos capacitados.” Em 1 Coríntios 11:33, “Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros.” Significa “aqueles que ficaram prontos mais cedo devem esperar por aqueles que estão atrasados.”



Há muitos outros exemplos onde a palavra não pode simplesmente dizer que "todo mundo faz alguma coisa para todo mundo", porque o sentido do contexto simplesmente não permitirá este significado (veja Mateus 24:10; Lucas 2:15; 12:1; 24:32; etc.). Nestes versos allelous significa, uns aos outros. (A versão King James frequentemente traduz estas passagens, “um ao outro” ou “um para o outro”, como em I Coríntios 11:33, Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros.” Seguindo este padrão, a KJV traduziu Efésios 5:21, “submetendo-se um ao outro.”)



5. Conclusão



O que então “um ao outro” significa em Efésios 5:21? Significa “uns aos outros” e não “todos a todos”. O significado de hypotasso, que sempre indica submissão unidirecional a uma autoridade, previne o senso de “todos a todos” neste verso. E o seguinte contexto (esposas a maridos, filhos aos pais, servos aos mestres) mostra que este entendimento é verdadeiro. Portanto, não é a “submissão mútua”, mas a submissão às autoridades competentes que é ordenada por Paulo em Efésios 5:21. A ideia de “mútua submissão” nesta passagem é só um mito crido largamente pelo mundo.



Isso é importante? Basta perguntar-se quão importante a idéia de submissão à autoridade é no Novo Testamento. Se hypotassō pode ser esvaziada de qualquer idéia de submissão à autoridade, a capacidade do Novo Testamento para falar com a nossa vida vai ser entravada de forma significativa. Este equívoco igualitário de Efésios 5:21 carrega com ele um preço muito grande.

 



Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção. (Atos 13:36)

Lidar com a Tradição é um dos grandes problemas enfrentados pelo cristianismo. O catolicismo romano a valoriza tanto que chega a colocar o Magistério da Igreja acima da Bíblia. A liturgia ainda é antiga e só abandonou o latim no Concílio Vaticano II (embora hoje ainda se permita a missa em latim). Por outro lado, certos ramos do protestantismo parecem desprezar a história do cristianismo e ignoram até mesmo o ensino daqueles que fizeram a Reforma Protestante. O equilíbrio raramente é conseguido.



E isso é particularmente verdadeiro quando se olha para as igrejas evangélicas brasileiras do século XXI. Mesmo nas igrejas históricas, há seminários que formam pastores sem exigir a leitura de uma página escrita por Martinho Lutero ou João Calvino (foi o que aconteceu comigo, e eu passei por 3 seminários). A ampla maioria não conhece a história de suas igrejas ou no que elas realmente acreditam. Entretanto, também há grupos que são tão apegados à tradição que parecem ler mais os teólogos reformados que a Bíblia e sonham com uma liturgia do século XVI.



Para piorar, vivemos em um mundo dinâmico, onde as transformações tecnológicas, políticas, econômicas e sociais acontecem de forma muito rápida. Há pouco mais de 50 anos, os moradores da região de Brasília andavam de carro de boi e quase ninguém tinha visto um automóvel. A maioria das famílias possuía muitos filhos e nem mesmo os adultérios eram vistos como motivo para separação de casais.



Tudo isso torna muito complexa a sobrevivência das igrejas em nossa sociedade. Sim, Deus é Soberano e Jesus Cristo salvará eleitos geração após geração. Mas isso não significa que os evangélicos estão livres de desafios enormes. Como ser uma igreja relevante para o Brasil do século XXI?


O resgate da Escritura e da Tradição

Creio que a primeira parte da resposta é olhar para trás. O povo de Deus precisa recuperar o seu passado e a sua História. Esse resgate vai até Adão e Eva, até os eventos redentivos descritos na Bíblia e que estão registrados nas Escrituras Sagradas. Mas eles também incluem o longo período que se inicia com o encerramento da Bíblia e vai até os dias atuais.



Inicialmente é preciso recuperar a leitura e a pregação expositiva das Escrituras. Nada de sermões em cima de versículos isolados ou de estudos que não expliquem o que é ensinado nas páginas da Bíblia. Os pastores e professores devem ensinar o fiel a ler e a interpretar corretamente a Bíblia, aplicando-a em sua vida e em sua sociedade. É preciso que apontemos a Palavra de Deus como sendo a nossa regra suprema de fé e prática, que vai orientar toda a nossa vida.



Secundariamente é preciso recuperarmos as reflexões e ensinos que grandes homens de Deus tiveram a partir da Bíblia. Com humildade, os cristãos do século XXI devem reconhecer como irmãos os que viveram nos séculos II a XX e voltar a lê-los. Ao compreendermos a forma como eles enfrentaram os desafios de suas próprias épocas, acharemos exemplos e inspiração para os nossos próprios dilemas.



Ao pregar em Antioquia da Pisídia, Paulo fez isso. É o que nos mostra Atos 13. O apóstolo recordou-se de como Deus havia lidado com os patriarcas, o povo de Israel no deserto, os juízes, os reis...até chegar a Jesus. Expôs o significado da Lei e dos Profetas. Embora fosse apóstolo, Paulo não renegou o rico passado do Antigo Testamento.



Hoje, os novos calvinistas (não confundir com o neocalvinismo) devem continuar a fazer essa identificação. Nos identificamos com calvinistas porque honramos e respeitamos a tradição teológica exposta por Calvino. Mas entendemos que Calvino foi apenas um dos inúmeros santos que fazem parte da história do povo de Deus, e, por isso, reformados é um termo melhor. Vamos além: entendemos que a tradição reformada é nobre, mas é válida somente na medida em que está submissa às Escrituras Sagradas, que são muito mais antigas que Calvino. Queremos sim o resgate da Tradição, mas somente na medida em que ela é serva da Palavra de Deus.



Afinal, somos reformados, mas antes de tudo, somos cristãos.


Por que novos?

Todavia, os novos reformados não são meros reprodutores dessa rica tradição. A Bíblia é a mesma, a interpretação correta é imutável, mas a sua aplicação varia conforme o tempo, o país, a cultura e as características daqueles que a ouvem. E, por causa disso, sabemos que Deus nos chamou para responder aos desafios da nossa geração, de uma sociedade do século XXI. Sabemos que, embora antigo, o Evangelho sempre será vinho novo (Mateus 9:17).



Ser um novo reformado é reconhecer que a cultura e a sociedade do século XXI trazem os seus próprios desafios e acreditar que a Biblia tem uma resposta para o nosso tempo. É saber diferenciar o que é imutável (a doutrina) e o que pode ser mudado para tornar a Bíblia um livro compreensível aos que vivem nos dias de hoje. É buscar fazer a mesma coisa que o apóstolo Paulo fazia: achar pontes de contato entre a Bíblia e as pessoas, para fazer com que alguns se voltem para Deus (1 Coríntios 9:22).



De modo resumido, o pastor Mark Driscoll apontou quatro marcas que caracterizam esta nova postura:



- Teologia reformada;

- Relacionamentos complementares (e não igualitários) entre homens e mulheres;

- Ministério cheio do Espírito Santo;

- Prática missional.



O novo calvinismo não é uma ruptura com um "velho" calvinismo, mas sim a aplicação dos princípios da Reforma Protestante ao século XXI. Claro que há novidades. A prática missional, ou seja, a formatação de nossa vida e de nossas igrejas com o objetivo de levar Cristo a ser adorado por muitos, nos leva a rompermos com certos tradicionalismos. O propósito maior do Evangelho e a consciência do que realmente é santidade é que nos levam a aplaudir quem canta a soberania de Deus em um rap.

Shai Linne, usando o rap para glorificar a Deus



Ser um novo reformado é, na verdade, ser coerente com o ensino bíblico. É imitar a Jesus quando Ele questionava tradições sem sentido dos fariseus, como a exigência de lavar as mãos antes de comer. (Mateus 15:20). É confrontar os que se dizem reformados mas não são como Jesus, que comia com os publicanos e pecadores (Marcos 2:16). É deixar de lado a liturgia elaborada do culto no Templo e entender que a verdadeira adoração é em espírito e em verdade (João 4:22-24).



É novo porque ainda há um calvinismo "velho" que sonha com uma liturgia do século XVI, onde se criticam aqueles que louvam ao Senhor com "ritmos mundanos". Ainda há um calvinismo "velho" e sectário, que chama os pentecostais de apóstatas e os arminianos de hereges, embora eles professem crer em Jesus Cristo como Senhor e que Ele ressuscitou dos mortos (Rm 10:9).



O desafio

Contudo, o desafio dos novos reformados não é o de guerrear contra este velho calvinismo, mas sim o de servirmos à nossa geração. Por esta razão, dialogamos com outros cristãos, buscando juntar o que há de melhor na teologia reformada e nos movimentos de renovação espiritual, como faz John Piper, tentando unir Reforma e Carisma. Reconhecemos as heresias de movimentos como as igrejas emergentes, mas também aprendemos com eles formas de alcançar a nossa cultura. Temos a consciência de que o corpo de Cristo não se restringe aos seguidores da Confissão de Fé de Westminster.



Na verdade, não há nada de novo com os novos reformados. Eles estão apenas tentando fazer como Davi, que serviu ao Senhor e à sua própria geração. Somos como Paulo, que buscava formas de tornar o reino de Deus conhecido dos gregos e dos judeus, além de enfrentar as heresias e buscar a unidade de igrejas divididas em partidos. A única diferença é que buscamos fazer isso dentro do século XXI.



Que o Senhor nos ajude a alcançarmos este objetivo.



 



Ser calvinista (ou reformado) no Brasil é uma "cruz" das mais pesadas. Os evangélicos são minoria em um país católico. Os tradicionais são minoria em meio a evangélicos pentecostais. E os reformados são minoria no grupo dos tradicionais. Se há uma espécie em extinção religiosa no Brasil, com certeza é a dos seguidores de João Calvino.



Isto explica a imensa alegria com que foi recebida uma reportagem da revista Time, que apontou o novo calvinismo como um dos dez movimentos que podem mudar o mundo agora. A euforia foi tamanha que a reportagem foi citada em blogs conceituados, como o da editora Fiel e o O Tempora, O Mores. Se no Brasil os calvinistas são vistos como seres exóticos, nos Estados Unidos a teologia reformada mostrava a sua força e era reconhecida, inclusive pela sociedade secular.



No entanto, até aqui, o novo calvinismo ainda não disse a que veio. Pelo menos no Brasil.



Made in USA

O problema começa com a falta de divulgadores do novo calvinismo. Os maiores são a editora Tempo de Colheita e blogs como o Voltemos ao Evangelho e o iPródigo, que traduzem posts e vídeos de expoentes do movimento, como Paul Washer, Mark Driscoll e John Piper.

Mark Driscoll



É verdade que algumas editoras tradicionais (Cultura Cristã, Fiel, Shedd Publicações e Vida Nova) também têm publicado livros de destacados representantes do novo calvinismo, principalmente John Piper e Wayne Grudem. Mas é igualmente verdadeiro que o interesse é mais doutrinário do que eclesiológico. Ou, dito de outra forma, os novos calvinistas são publicados pelo que falam de "calvinista" e não pelo que tem de "novo".



Ou alguém imagina a Editora Fiel se juntando a Grudem, Driscoll e Piper na recusa deles ao cessacionismo? O mesmo pode ser dito da liturgia de Driscoll sendo endossada pelo Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. No Brasil, grosso modo, os novos calvinistas são enquadrados simplesmente como calvinistas.



O resultado é fácil de se prever: no Brasil, o novo calvinismo é muito mais uma curiosidade do que um movimento. Não há nenhuma igreja de grande porte ou pastor de projeção nacional que se assuma como novo calvinista. Não temos escritores nacionais que produzam literatura dentro dessa linha e a ampla maioria dos blogs dedica-se mais a traduzir os autores norte-americanos. O mesmo pode ser dito das editoras.



Em suma: no Brasil, se queremos saber o que é novo calvinismo, temos que olhar para os Estados Unidos.

Novo calvinismo não..."New calvinism"



Novo o quê?

Uma outra consequência é a de que o membro comum das igrejas e os pastores que não navegam com frequência na Internet nem sabem de que se trata o novo calvinismo. Na prática, a maioria das igrejas reformadas ainda não se enxerga como "missional" e prende-se às mesmas condutas litúrgicas e evangelísticas de sempre.



Na verdade, o que acontece é bem o contrário: há o ressurgimento de um "neopuritanismo", com a defesa de uma liturgia tão engessada que nem os hinos encontram lugar. Não é incomum ver blogs calvinistas rompendo o diálogo com outros ramos do protestantismo, alguns chamando pentecostais de apóstatas e outros tachando os arminianos de hereges. Evangelismo que é bom...



Só há uma conclusão óbvia quando se analisa o cenário brasileiro: a contextualização cultural do Evangelho só é possível nas igrejas emergentes. A coisa chega a tal ponto que a Mocidade Para Cristo recomendou a leitura do herético Brian McLaren no Treinamento de Líderes de Jovens e Adolescentes deste ano, deixando Driscoll de lado. Parece que o único caminho para se ter uma igreja cristã própria para o século XXI é cair na heresia. E líderes brasileiros que apontam neste sentido não faltam, como Ed René Kivitz, Ricardo Gondim, Caio Fábio...



Essa ignorância tem o seu preço. Embora o novo calvinismo não seja um movimento homogêneo, Driscoll aponta marcas que provam que há alternativas à igreja emergente:



- Teologia reformada;

- Relacionamentos complementares (homens e mulheres);

- Ministério cheio do Espírito Santo (continuísmo, rejeição ao cessacionismo);

- Prática missional.



Dito de outra forma, o novo calvinismo preserva o que é imutável (teologia reformada) e muda o que deve mudar. Pena que só você, que lê blogs na Internet, sabe disso. Agora, pergunte aos seus diáconos, presbíteros, às senhoras se elas sabem algo a respeito.



À procura de líderes

Penso que isso só vai mudar quando o novo calvinismo encontrar referenciais no Brasil, que pensem na igreja reformada brasileira do século XXI e estejam dispostos a levar esse pensamento para o dia-a-dia das igrejas locais. Particularmente, não creio que os expoentes do calvinismo tradicional se dediquem a esta tarefa por uma razão muito simples: eles não endossam o que há de "novo". É preciso que outros se disponham a isso.



Até lá, entendo que é preciso se libertar um pouco das traduções e começar a dar lugar a uma produção teológica nacional. Blogs como o Novo Calvinismo, o Filipe Niel, o Pensar... , o Cinco Solas ou o Guilherme de Carvalho precisam ser mais valorizados e conhecidos. Seria interessante ler mais textos de Josaías Cardoso no iPródigo ou autores nacionais no Voltemos ao Evangelho.



E, claro, seria ótimo se pastores como Jeremias Pereira e Hernandes Dias Lopes se identificassem abertamente com as ideias do novo calvinismo. Seria ótimo se eles se juntassem a outros pastores, como Juan de Paula e Helder Nozima na defesa do que há de "novo" no calvinismo. Poderia ser o que falta para o novo calvinismo "pegar" no Brasil.



Graça e paz do Senhor,

sexta-feira, 18 de março de 2011