quarta-feira, 9 de outubro de 2013

OS DESIGREJADOS ISTO É UMA REALIDADE



Série " Desigrejados " - Isolados do Corpo



O tema “desigrejados” está em grande evidencia e tem sido objeto de matérias jornalísticas, livros e produção acadêmica. Há muito interesse sobre o assunto, mas há também muita confusão conceitual e incompreensão acerca do fenômeno. 

O presente artigo inicia uma série de reflexões sobre o tema. Pretendemos oferecer alguns subsídios para a discussão da matéria, entre os quais, um ou dois insights contrariando o senso comum sobre o assunto, como temos percebido a partir da leitura da produção editorial recente.

Genizah tem sido visto como referencia sobre o assunto. A despeito de fato de que todos nós que escrevemos aqui somos devidamente “igrejados”! Somos pastores, presbíteros, diáconos, etc. Frequentemente, recebemos convites para participar de eventos e palestrar sobre o tema ou ainda para colaborar com matérias jornalísticas. Desde 2009 temos conhecimento de conteúdo original publicado no Genizah referenciando produção acadêmica sobre desigrejados, teologia da prosperidade, crescimento evangélico, ventos de doutrina, etc. Na semana passada, nos sentimos muito honrados (e surpresos) ao saber que o próprio Genizah será objeto de uma dissertação de mestrado do programa mestrado em ciências da religião do Mackenzie, focando nos testemunhos de desigrejados publicados no site.


Desigrejados: Um fenômeno crescente.

O crescimento dos desigrejados é uma fratura exposta na Igreja. Não é coisa que se possa mais ignorar, tão pouco classificar como um fenômeno isolado. Da mesma forma, é evidente a tendência critica de uma parcela considerável dos crentes, mesmo entre os devidamente igrejados, em relação à doutrina e a certas práticas mercantilistas dos líderes evangélicos com mais destaque na mídia. Observamos uma clara mudança no padrão de comportamento de uma parcela cada vez mais importante dos evangélicos, que se aparta de uma maioria ainda condicionada a “engolir” abobrinhas generalizadas, desde que estas tenham origem no púlpito de um “ungido” qualquer.


O que é desigrejado?

Há uma certa confusão em torno do tema e uma tendência para a aglutinação de fenômenos diferentes sob o mesmo conceito. O desigrejado é a pessoa que decide viver a sua fé cristã fora do ambiente eclesiástico. O desigrejado não é um desviado (termo popular para a pessoa que abandona a confissão cristã evangélica). O desigrejado é aquele que deixa a igreja institucional e tenta exercer a sua fé cristã apartado das alternativas de congregação oferecidas, tradicionais, ou não.

Ser desigrejado é só uma forma de ser igrejado de um jeito mais cool?

Frequentemente, observamos que o desigrejado busca opções heterodoxas para congregar, ainda que de forma meramente ocasional: Grupos de igreja em casa, movimentos, grupos pequenos e células (sem conexão ou subordinação com congregações ou movimentos) e outros. Contudo, se este hábito se mantém já não se pode dizer que esta pessoa seja uma desigrejada, afinal, não se trata de alguém que não esteja congregando, mas tão somente de alguém que buscou uma forma alternativa de fazê-lo. E não importa se a proposta é mais tradicional, como um pequeno grupo liderado por alguém mais “sênior no evangelho”, ou se esta pessoa é chamada de pastor, irmão ou mentor e, tão pouco, se o esquema é mais parecido com alguma forma de estudo bíblico, ou oferece algum tipo de catarse para os traumas da religião, ou se envolve longos testemunhos de irmãos carentes de afeto e convivência, ou se parece mais com um circulo de oração, um chá de igreja ou até um esquema mais moderninho, dos que envolvem reuniões em torno de um programa de TV, ou encontros em cafés ou clubes... Com música, pouca luz e “papos cabeça’...

As fórmulas, ditas alternativas, para se manter congregando são, na essência, nada mais do que "mini-igrejas", berçários, “start-ups” de um projeto congregacional, para usar um termo empresarial mais moderninho, que só não são institucionais enquanto não crescem. Ao menor sinal da possibilidade de se ir além disso, o grupo logo aluga um salão, se organiza e passa a buscar formas de sustentar o esquema.

Não importa qual seja o tipo de “alternatividade” congregacional escolhida, abre-se uma larga avenida para críticas bem-fundamentadas. De início, consta-se que sempre se caminha para a institucionalização e, no fim das contas, a “alternatividade” é só uma forma de iniciar um processo levando ao mais do mesmo. E, diante deste fato, constata-se que, em grande medida, até que chegue o amadurecimento, experimenta-se fragilidade, ineficiência ou irrelevância nos resultados obtidos pela comunidade nos quesitos relacionados ao evangelismo, ao sustendo das missões, ao ensino e a ação social, entre outros, quando se compara a “alternativa” com o “sistema tradicional”. E sem o livramento da maioria das mazelas que se pretendia evitar quando do rompimento com o modelo tradicional!

Por estas e outras, alguns observadores mais implacáveis ao analisar este fenômeno de “reinvenção” vaticinam que boa parte do ciclo de vida do “desigrejado médio” se explique pelo insaciável divisionismo do DNA protestante. Nós aqui, achamos que se trata de um diagnóstico muito simplista ignorando problemas estruturais nas relações entre os líderes e membros na igreja deste tempo. Contudo, não há como negar a nossa tradição “reformista” tem um viés mais divisionista do que conciliador. De maneira que quando um grupo acha que a casa precisa de alguma reforma prefere sair e montar outra, abandonando o resto da família. Cooperando para o mesmo resultado final temos este “espírito carreirista” que ronda o universo evangélico, onde a maioria entende que a sua vivência congregacional deve, necessariamente, abarcar algum tipo de ministério e a busca de posições de liderança.

Se em muitos casos, estar desigrejado é só uma transição para uma forma alternativa de congregar ou um período sabático do congregar tradicional este não é caminho de todos. Para muitos, o desigrejamento é permanente e as experimentações e as alternativas de reunião e encontro com os irmãos não resultam na formação de vínculos com nenhuma comunidade.

Desconhecemos a existência de pesquisas quantitativas sobre o assunto. Contudo, apenas a título de subsidio para a discussão, podemos oferecer alguns indícios obtidos há dois anos, quando participamos de um projeto de pesquisa por uma grande editora internacional interessada no segmento de publicações evangélicas. Neste projeto, foram propostas questões no módulo de qualificação dos respondentes a fim de identificar os chamados “desigrejados” e investigar os seus hábitos e atitudes em relação ao tema investigado. Aproveitamos a oportunidade para incluir algumas questões adicionais para este grupo de respondentes, apartadas da metodologia do projeto. Entre os respondentes desigrejados 63% declararam que voltariam a congregar, caso encontrassem uma comunidade saudável – segundo a sua própria percepção. Ou seja, um indicativo de que a decepção com o corpo de parte considerável dos desigrejados não se traduz em afastamento permanente. Há espaço para a reconciliação.

Comunhão virtual

Entre os desigrejados sem vinculo comunitário / denominacional temos muitos perfis. Alguns buscam cultivar algum tipo de hábito devocional no lar. Outros fazem visitas esporádicas a comunidades tradicionais e alternativas. Alguns guardam o hábito de se encontrar com irmãos, com os quais oram juntos, buscam apoio para os seus desafios diários e encorajamento. A internet tem um papel muito importante para fomentar estes encontros e, muitas vezes, servem de catalizador para a formação de grupos, que depois evoluem para comunidades. No Genizah, acompanhamos o surgimento de muitos grupos aglutinados totalmente a partir da internet e que deixaram de ser virtuais e hoje são comunidades, células, etc. e cujos membros entendem que a internet foi apenas um instrumento para que chegassem a esta vivência pessoal de comunhão com os irmãos. Por outro lado, posso dar testemunho de diversos outros grupos, consistentes, ajuntando irmãos que até, eventualmente, se encontram pessoalmente, contudo, não entendem que a migração para um formato presencial de comunhão seja uma “evolução natural” da sua experiência. A maioria dos membros dos grupos nunca se encontrou pessoalmente, seguem organizando reuniões periódicas virtuais e parecem felizes assim.

Eu, Danilo, devidamente igrejado, participo de dois grupos que se reúnem através do Skype. Um deles reúne um grupo de celebridades da área artística e dos esportes que, por diversas razões, encontram muita dificuldade de congregar em uma igreja. O formato dos encontros lembra os de grupo de estudo bíblico, embora em alguns dias mais pareça uma fervorosa reunião de oração. Já o segundo grupo é formado por pastores e está mais focado no encorajamento mútuo e no apoio ministerial. Após alguns anos de convivência, o grupo decidiu enviar um dos membros para o Sudeste Asiático. Eventualmente, o primeiro grupo celebra a Santa Ceia via internet, cada qual com seu pão e o seu vinho, acompanhados de suas famílias, em torno do computador.


Nos próximos artigos trataremos dos seguintes aspectos do tema: os perfis de desigrejados, as principais causas do “desigrejamento”, as origens do fenômeno e as relações de causalidade entre as doutrinas e o desenvolvimento de grupos denominacionais evangélicos e o crescimento dos desigrejados.

Quantos são os desigrejados evangélicos brasileiros?




Este artigo é o segundo da série sobre “desigrejados’.


O censo de 2010 aponta que os evangélicos brasileiros somam 42.275.440 de pessoas. Sendo 22,16% dos brasileiros, um crescimento de 61,45% desde a última edição do censo em 2000.

Crescimento ainda mais espantoso apresentou o grupo de evangélicos que se declararam “sem vínculo denominacional”. Nos dez anos separando os censos de 2000 e 2010 o numero de evangélicos assim declarados partiu de pouco mais de um milhão de pessoas chegando a impressionantes 9.218.129 de crentes brasileiros. Um crescimento de mais de 780%. Nenhum outro grupo de evangélicos arrolados no censo experimentou crescimento semelhante. O conjunto da população evangélica cresceu 61,45% e a denominação com o maior crescimento foi a Assembleia de Deus com 46,28% (com 8,4 milhões de fiéis em 2000 e 12,5 milhões de fieis em 2010).

O grupo "evangélicos sem vínculo denominacional” foi o maior responsável pelo crescimento da população evangélica brasileira e representa hoje 21,8% do total dos evangélicos, sendo um grupo maior, portanto, do que a soma de todos os crentes vinculados a denominações evangélicas de missão (presbiterianos, metodistas, batistas, luteranos, congregacionais, adventistas e outros), os quais, somam pouco mais de 7,6 milhões de evangélicos.

Naturalmente, a linha “evangélica não determinada” (ver tabela neste post) não inclui somente os desigrejados, mas também os evangélicos nominais (pessoas que se declararam evangélicas por tradição familiar, identificação social, etc.) um fenômeno antes apenas característico do catolicismo, a religião dominante. Nesta mesma conta, há também os evangélicos que transitam por diversas denominações, mas que não estabelecem vínculos com nenhuma comunidade. Estão também incluídos os respondentes que não souberam (ou não quiseram) informar o seu vínculo denominacional, apenas se declarando evangélicos e, neste caso, os microdados do censo 2010 sustentam a hipótese de que este deve ser um dos maiores subgrupo da linha, incluindo respondentes pertencentes a pequenas congregações independentes e a grupos de cristãos que se reúnem em casas, condomínios, clubes, etc. Finalmente, neste grupo há também quem se declare evangélico, mas viva, na prática uma religiosidade com múltiplo pertencimento inclusive transitando também por religiões não cristãs – fazendo jus à tradição do sincretismo brasileiro, até então, associada à “tabelinha católico-espírita”. Vale frisar que há outras linhas na tabela 1.3 do Censo contemplando múltiplo pertencimento e religiosidade indeterminada.

Sem encerrar as considerações acerca do surpreendente número de 9,2 milhão de evangélicos sem vínculo denominacional é possível estabelecer que os “desigrejados” são um dos principais subgrupos deste conjunto e, por mais conservadora que seja a estimativa da participação destes nesta população, esta será sempre absolutamente relevante. O nosso “educated guess” (a expressão da língua inglesa para o famoso chute bem abalizado) aponta para uma população de 4 milhões de desigrejados evangélicos. Isto é mais do que a soma de todos os batistas, anglicanos, episcopais e metodistas brasileiros! O que não é mais surpreendente do que constatar que os 9,2 milhão de evangélicos sem vínculo denominacional, ou 4,8% do total da população brasileira, testemunham peremptoriamente acerca dos perigos da extinção de uma das características mais marcantes entre os evangélicos brasileiros: o exercício religioso assíduo em congregações locais com as quais o fiel mantém fortes laços de pertencimento.

Nestas últimas décadas a porta de entrada da igreja se alargou. Os 42 275 440 evangélicos brasileiros comprovam isto. Durante o decênio de 2000-2010 o movimento nas portas de entrada das igrejas evangélicas experimentaram um crescimento de 61,45%. Entra muita gente, mas a porta dos fundos, antes modorrenta e associada aos poucos “desviados”, conheceu uma circulação  sem precedentes, como atestam os números aventados no parágrafo anterior.

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